7.2.18

Fala Ângela, na defesa ética do anti-herói

Não estou — espero — me julgando com excesso de imparcialidade. Mas preciso ser um pouco imparcial senão sucumbo e me enredo na minha forma patética de viver. Aliás fisicamente tenho algo de patético: meus olhos grandes são infantilmente interrogativos ao mesmo tempo em que parecem pedir alguma coisa e meus lábios estão sempre entreabertos como se fica diante de uma surpresa ou então como quando o ar que se respira pelo nariz é insuficiente e então se respira pela boca: ou então como ficam os lábios quando estão prestes a serem beijados. Eu sou, sem ter consciência disso, uma armadilha.
Apesar de sagaz, não compreendo realmente o que está me acontecendo. E o mundo a exigir decisões para as quais não estou preparada. Decisões não só a respeito de provocar o nascimento de fatos mas também decisões sobre a melhor forma de se ser.
Uma tensão de corda de violino.
Eu não compreendo o meu passado mais remoto, a infância e a adolescência que vive sem compreender e sem prestar atenção. Era uma avoada. Agora sem o mínimo de apoio na base inicial de minha vida sou solta e periclitante e os acontecimentos vêm a mim como algo sempre descontínuo, não ligados a uma compreensão anterior à qual esses acontecimentos deviam ser uma sucessão inteligível. Mas não: os acontecimentos parecem não ter causa em mim. Eu não entendo propriamente o que me acontece. E meu ponto de vista em relação às honras é primário.
Por que quero fazer de mim um herói? Eu na verdade sou anti-heróica. O que me atormenta é que tudo é "por enquanto", nada é "sempre". A vida — a partir do momento em que se nasce — é guiada, idealizada pelo sonho. Eu nada planejo, eu dou um salto no escuro e mastigo trevas, e nessas trevas às vezes vejo o faiscar luminoso e puro de três brilhantes que não são comíveis. Então subo à tona com um brilhante em cada pupila dos olhos para traspassar o opaco do mundo e outro entre os lábios semicerrados para quando eu falar minhas palavras sejam cristalinas, duras e ofuscantes.


Clarice Lispector, Um sopro de vida (pulsações)



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