25.7.17

Depois que se é feliz

O fim de sol tremia lá fora nos galhos verdes. Os pombos ciscavam a terra solta. De quando em quando vinham até à sala de aula a brisa e o silêncio do pátio de recreio. Então tudo ficava mais leve, a voz da professora flutuava como uma bandeira branca.
— E daí em diante ele e toda a família dele foram felizes. — Pausa — as árvores mexeram no quintal, era um dia de verão. — Escrevam em resumo essa história para a próxima aula.
Ainda mergulhadas no conto as crianças moviam-se lentamente, os olhos leves, as bocas satisfeitas.
— O que é que se consegue quando se fica feliz?, sua voz era uma seta clara e fina. A professora olhou para Joana.
— Repita a pergunta…?
Silêncio. A professora sorriu arrumando os livros.
— Pergunte de novo, Joana, eu é que não ouvi.
— Queria saber: depois que se é feliz o que acontece? O que vem depois? — repetiu a menina com obstinação.
A mulher encarava-a surpresa.
— Que ideia! Acho que não sei o que você quer dizer, que ideia! Faça a mesma pergunta com outras palavras…
— Ser feliz é para se conseguir o quê?
A professora enrubesceu — nunca se sabia dizer por que ela avermelhava. Notou toda a turma, mandou-a dispersar para o recreio.
O servente veio chamar a menina para o gabinete. A professora lá se achava:
— Sente-se… Brincou muito?
— Um pouco…
— Que é que você vai ser quando for grande?
— Não sei.
— Bem. Olhe, eu tive também uma ideia — corou.
— Pegue num pedaço de papel, escreva essa pergunta que você me fez hoje e guarde-a durante muito tempo. Quando você for grande leia-a de novo. — Olhou-a. — Quem sabe? Talvez um dia você mesma possa respondê-la de algum modo… — Perdeu o ar sério, corou. — Ou talvez isso não tenha importância e pelo menos você se divertirá com…
— Não.
— Não o quê? — perguntou surpresa a professora.
— Não gosto de me divertir, disse Joana com orgulho.
A professora ficou novamente rosada:
— Bem, vá brincar.
Quando Joana estava à porta em dois pulos, a professora chamou-a de novo, dessa vez corada até o pescoço, os olhos baixos, remexendo papéis sobre a mesa:
— Você não achou esquisito… engraçado eu mandar você escrever a pergunta para guardar?
— Não, disse.
Voltou para o pátio.


Clarice Lispector, Perto do coração selvagem



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