12.11.16

Segundas moradas

ir ser como todos os outros era uma tarefa imprevisível, um labor
minuciosamente distraído,
precisávamos de armas, de bancos, de assaltos
a navios voando com as cores do panamá,
construímos casas, canais
por onde a água se levanta até
à boca dos antepassados,
castelos, moradas

onde as crianças desaparecem para nunca mais, e passam
a vestir bombazina, e a ter
amores perfeitos na gola do casaco, enquanto o ogre os saboreia.
ele dizia, estes são os mais belos animais, o presente a que aspiro
quando for rei, e quando se quebrar
a ânfora, que trouxe ao meu prazer
tão duvidosa eternidade,
serei feliz, generoso com a minha pobreza.

agora fico indeciso
entre um e outro, ou o fantasma de permeio,
o tédio de antigamente.
se vestir gabardine fico de pessoa completo,
civil, esguio, laico quanto baste.
o prazer possível não me deixa viver tranquilo.
vou deixar este negócio de acreditar, não acreditar,
vou ser todo igual, definitivamente outro.

António Franco Alexandre, As moradas 1 a 3



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