30.12.15

Não bater à porta


Por enquanto, a tecnificação torna os gestos precisos e grosseiros e, com eles, os homens. Desaloja dos gestos toda a hesitação, todo o cuidado, toda a urbanidade. Submete-os às exigências implacáveis e, por assim dizer, anistóricas das coisas. Assim se desaprende, por exemplo, como fechar uma porta de forma suave, cuidadosa e completa. A dos automóveis e frigoríficos devem atirar-se; outras tendem a fechar-se por si mesmas, habituando assim os que entram à indelicadeza de não olharem para trás, de não se fixarem no interior da casa que os acolhe. Não se julgará imparcialmente o novo tipo humano sem a consciência do efeito que, de modo incessante, nele produzem, até às suas mais ocultas inervações, as coisas do ambiente. Que significa, para o sujeito, que já não existam janelas com caixilhos que se podem abrir como asas, mas apenas vidros que deslizam, que não existam trincos lentos mas maçanetas giratórias, que já não haja vestíbulo, limiar frente à rua ou muros que rodeiem os jardins? E que condutores não teria já levado a força do seu motor à tentação de esmagar toda a bicharada da rua, transeuntes, crianças ou ciclistas? Nos movimentos que as máquinas exigem daqueles que as utilizam reside já o violento, o brutal e o constante atropelo dos maus tratos fascistas. Da morte da experiência é em grande parte responsável o facto de as coisas, sob a lei da sua pura utilidade, adquirirem uma forma que restringe o trato com elas ao simples manejo, sem tolerância por um excesso, ou de liberdade de acção ou de independência da coisa, e que pode subsistir como gérmen da experiência, porque não pode ser consumido pelo instante da acção.

Theodor Adorno, Minima moralia



 

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